Skank 91(2012)

“Quero ver como você vai resumir isso tudo que motivou o lançamento em um texto enxuto. O (disco) ‘91’ não é um lançamento de álbum de inéditas; é um arquivo, o primeiro capítulo da história do Skank. Nós não consideramos parte da discografia, mas um retrato de como era o grupo nos primórdios.”

Resumo dessa forma, Samuel Rosa. Com as suas palavras, com quem falei sobre o disco que sai agora, meio que comemorativo pelas duas décadas de banda. Meio que comemorativo porque o trabalho celebra a longevidade do quarteto reunindo dois materiais que estavam guardados na gaveta do baterista Haroldo Ferretti desde o ano que batiza o CD.

No CD, 10 músicas gravadas no estúdio que funcionava na casa dos pais do baterista em suas primeiras versões, sendo que sete entrariam no disco de estreia (independente) do Skank, lançado no ano seguinte, e seis músicas do show em São Paulo que motivou a formação do grupo – duas daquele show igualmente entraram no debute.

Quando se diz “aquele” show, o reforço do pronome não acontece por acaso. Dá para dizer que foi “O” show responsável por tudo que viria até hoje.

Samuel e Henrique Portugal (tecladista) vinham, em 91, de oito anos de Pouso Alto, uma banda reggae que dera seus últimos acordes em meados daquele ano. Até que Fernando Furtado, empresário até hoje do grupo, teve convite para que se apresentassem na “Disco Reggae Night”, em São Paulo. Os dois convocaram Haroldo para as baquetas e Lelo Zaneti para o baixo, e o resultado você ouve em “91”. E como bônus a apresentação do idealizador da noitada reggae, Otávio Rodrigues, que dá o tom da noite.

“Esse show (05/06/91) foi o motivo pelo qual montamos o Skank. Quando teve o convite para o show, topamos e aí começamos a montar repertório, nos preparar de verdade. Quando voltamos para BH, olhamos um pro outro e falamos: ‘E aí? Vamos seguir?’”, conta Haroldo.

Montar repertório foi o menor dos problemas. O grupo estava com antenas cravadas na Jamaica, que vivia e espalhava fortíssima cena de dancehall e raggamuffin. Combinaram a influência à raiz do reggae, segundo Samuel, e colocaram, claro, especiarias brasileiras.

“Vale lembrar que o reggae nasceu de uma tentativa frustrada dos jamaicanos tocarem soul music e rhythm and blues. Era muito comum versões de Sam Cooke, Al Green, coisas da (gravadora) Motown. Nós seguimos esse caminho. Aí chegávamos e alguém vinha com um: ‘Vamos tocar Milton (em versão) reggae’ (“Raça”, a 10ª música da parte gravada em estúdio de “91”) e essas outras coisas, tipo Henri Mancini (“Shot in the Dark”, última da parte ao vivo do trabalho), os caras do ska adoram”, reforça Samuel.

A polaróide da época em formato de disco só foi possível com essa qualidade porque desde a gênese do grupo eles tinham o costume de registrar tudo. Tarefa facilitada por Haroldo abrigar na casa de seus pais um estúdio semi-profissional. Semi porque era composto de uma mesa de oito canais e depois de timbrarem os instrumentos e acertarem os ponteiros da mesa, o baterista apertava Rec e Play e corria para seu instrumento. Da mesa de som da casa de shows também veio o registro da parte ao vivo. Tudo foi transferido de fita-cassete para Dat à ocasião, o que garantiu a manutenção de qualidade.

“Enquanto a banda trabalhava na performance de palco, a gente trabalhava também na questão gravação. Não consideramos (“91”) dentro da discografia, até porque muita coisa não entrou no primeiro disco (“Telefone”, “Eu me Perdi” e “Raça”, das gravações em estúdio, e “Amanhã”, “Eterna Resposta”, “A Tela” e “Shot in the Dark”, da parte ao vivo). E outras entraram com arranjos e mesmo letras diferentes (“Salto no Asfalto”, “Baixada News”, “Let me Try Again”, “Réu e Rei”, “Macaco Prego”, “In(Dig)Nação” e “Homem que Sabia Demais”, em estúdio, e “Gentil Loucura” e “Cadê o Pênalti?”, ao vivo). (O disco) Mostra como era o Skank nos primórdios”, conta o vocalista/guitarrista.

O polimento foi dado por Chris Gehringer, profissional que tem no currículo a masterização de muitos dos maiores sucessos do hip hop e R´n´B atual, além de ter seu nome nos créditos de discos de Madonna, Rihanna, entre outro(a)s. A única recomendação da banda ao profissional era que desse apenas polimento, pois o grupo tem por princípio ser o mais fiel possível ao que executaram à época, tanto ao vivo quanto no estúdio.

“(quando ouvi as fitas pela primeira vez) Reconheci o Skank na essência ali. Não temos pudor das nossas limitações, dos erros. Tanto que nossos trabalhos ao vivo (“Ao Vivo em Ouro Preto”, de 2001, “Cosmotron – Multishow ao Vivo”, de 2004, e “Skank no Mineirão”, de 2010) não têm overdub. Às vezes passa um erro, uma semitonadinha, mas a voz que se ouve na gravação ao vivo é aquela mesmo. Pois quando vou ouvir um trabalho ao vivo quero ver os erros, os acertos, os improvisos. Às vezes pego um DVD ao vivo e quando assisto percebo que refizeram em estúdio. Tenho vontade de ir na loja e pedir meu dinheiro de volta”, remonta a filosofia do grupo Samuel.

Quanto à fidelidade da execução não houve dúvida. Mas havia uma nuvem de crise de consciência que pairava sobre os integrantes no ano em que o grunge dominou o mundo – a utilização de naipe de metais no som. Lembre-se que estamos falando da virada dos 1980 pros 90, quando ska, reggae e consequente uso de metais parecia exclusividade dos Paralamas do Sucesso. Decisão tomada, decisão acertada.

“Acredito que resolvemos bem essa ‘concessão’ que era meio exclusiva dos Paralamas. Conseguimos abrir caminho de guitarras com metais e depois vieram outras bandas dos anos 90”, relembra Samuel.

Tento um arremate para a explicação narrativa do disco, mas mais uma vez vêm dos integrantes a definição perfeita. “É o primeiro capítulo da história do Skank”, diz Haroldo, ao que Samuel concorda.

Faixas

  1. Telefone
  2. Salto no Asfalto
  3. Baixada News
  4. Let Me Try Again
  5. Eu Me Perdi
  6. Réu e Rei
  7. Macaco Prego
  8. In(Dig)Nação
  9. Homem Que Sabia Demais
  10. Raça
  11. Gentil Loucura
  12. Amanhã
  13. Eterna Espera
  14. Cadê o Pênalti?
  15. A Tela
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